Um Estranho no Ninho: uma crítica aos tratamentos da loucura

Ao longo da história o espaço dos loucos foi, por excelência, o da exclusão. Desde 1652, com a criação do Hospital Geral, os indivíduos considerados inaptos, loucos, imorais, mendigos, desrazoados (sem razão) eram mantidos longe do convívio social.

Durante a passagem do século XIX para o século XX, as formas de classificação, bem como de tratamento, dos doentes mentais foram alvo de severas críticas, por parte de diversos profissionais (médicos psiquiátricos, filósofos, sociólogos etc.).

Surge então, devido a essa crítica contraria às formas violentas de se tratar a doença mental, que em muitos casos em vez de promover a cura, configura a punição, o movimento denominado de Antipsiquiatria. Um movimento que questionava a psiquiatria e sua forma de tratamento tradicional da loucura. Vale ressaltar que os seguidores da Antipsiquiatria defendiam que a loucura era produzida, algo construído pelas relações de poder, e que nada tinha a ver com saúde ou doença, de fato.

É dentro desta perspectiva, que irei discorrer sobre o filme “Um Estranho No Ninho”, lançado em 1975. Buscando fazer uma análise crítica às formas de tratamento e de como a loucura era (é) tratada pelos ditos “normais”, visto que, uma das principais razões da produção do filme foi uma forma de criticar as instituições psiquiátricas americanas da época e o conservadorismo do partido Republicando dos Estados Unidos. Isso porque, em tal contexto, as pessoas que não contribuíam para sociedade, bem como aquelas desprovidas de razão, não mereciam viver com as pessoas normais, devendo, portanto, serem afastadas e isoladas em asilos, distantes do convívio social.

“Um Estranho No Ninho” é um adaptação do livro “OneFlew Over the Cuckoo’s Nest” de KenKesey, que trazia as experiências do autor durante seu trabalho de pesquisador em um centro psiquiátrico. Este título é baseado no ditado: “Um voou para o norte. Um voou para o sul. Um voou para leste. Um voou para o oeste. E um voou sobre o ninho do cuco”. A interpretação poética está em: aquele filho que não voou para nenhuma direção permaneceu no ninho, tornando-se um louco. Visto que, em diversos países a expressão “cuco” refere-se à loucura.

Randle Patrick McMurphy, (Jack Nicholson) é o personagem central dessa trama. Condenado pelo estupro de uma menor de idade, McMurphy vai para a cadeia, mas sem a intenção de permanecer por lá. Numa atitude repentina, passa a se fingir de louco, sendo transferido para um hospício, visando uma vida tranquila e calma durante o tempo que precisava para cumprir sua pena. Mas, a vida tranquila passa longe de ser realidade, no primeiro momento em que McMurphy pisa os pés no hospício percebe que tranquilidade não fazia parte daquele local.

Por ter sido filmado em um hospício de verdade, o filme nos permite imaginar (e sentir) o quanto a vida nessas instituições eram gélidas e assustadoras. Com grades, trancas e cores sólidas, que refletem uma imagem sombria e triste. Tudo é real, a tristeza dos personagens, a tristeza do local, a frieza dos funcionários. McMurphy, possivelmente, pensou a mesma coisa que pensei ao ver aquele lugar: “é pior que uma cadeia”.

É interessante, também, observar como o diretor Milos Forman fez com que, em cada troca de cena, o local ficasse cada vez mais angustiante e enlouquecedor. A visão que se tem do asilo no início do filme muda completamente ao longo dos acontecimentos, e o que pensamos não poder ficar pior, fica.

McMurphy, por ser um sujeito de personalidade forte, bem humorado e sociável, acaba conquistando a simpatia de todos os pacientes (crônicos e não crônicos) e é visto como um tipo de líder, um salvador, por eles. Isso acontece porque McMurphy ao se incomodar com a rotina e a falta de autonomia dos demais, começa a mostrar a cada um que eles podem fazer o que quiserem, inclusive: reclamar.

Apesar de ser adorado pelos companheiros, McMurphy não agrada os funcionários, em especial a enfermeira chefe Mildred Ratched (Louise Fletcher) que se irrita com as tentativas dele de transformar aquele lugar “calmo” e organizado em uma festa, baderna.

Mildred Ratched é o típico personagem que odiamos do início ao fim, sem nenhum remorso. O que parece é que a enfermeira carrega todos os tipos de vilã que pode existir no cenário cinematográfico (e na literatura), é incapaz de passar algo de bom para quem a assiste. É manipuladora, inflexível, fria, calculista, tem uma liderança punitiva e é desprovida de empatia.

Se por um lado McMurphy se recusa a receber ordens, seguir regras e abomina viver sob rotina, a enfermeira tem aversão a qualquer mudança na sua zona de conforto (ainda que sejam mudanças que promovam a melhora de seus pacientes), todos devem seguir suas ordens, devem respeitá-la. Pacientes e funcionários são submissos a ela.

Ratched também vai de contramão ao que a Antipsiquiatria defende, pois a personagem preserva não a saúde humana, mas sim o bem-estar da instituição, trata cada um de seus pacientes como doença, e não como ser humano. Aqui entra, também, as formas violentas de se tratar os mentalmente doentes: banho gelado, eletrochoque, isolamento, todos indicados por ela, como punição, “para pensar melhor no que você fez”.

Existem inúmeras críticas em torno desse filme, sejam elas feitas por profissionais da área de saúde, por produtores de filmes, filósofos ou adoradores de cinema, todas têm presente a tristeza de saber que existiram lugares como o hospício apresentado no longa-metragem, assim como existiram pessoas como a enfermeira, assim como existiram pacientes como os personagens do filme. Em uma dessas críticas, a autora faz uma análise ampla do que o título do filme representa, indo além de uma mera interpretação individual.

“Diferentemente do que pode parecer, o estranho que dá título ao filme “Um estranho no ninho”, não é um único personagem, mas sim são todas aquelas pessoas que se encontram no hospício. Eles representam todos os estranhos no ninho que existem pelo mundo. Os estranhos de uma sociedade que dita regras e padrões e que não aceita o ser diferente, aquele que se recusa a seguir normas. Tratando-os como loucos (Lara, 2010, s/p).”

A expectativa que criamos no decorrer da história é que cada um dos pacientes alcancem sua liberdade, que possam enfrentar de forma sadia sua “cura” e que McMurphy consiga, finalmente, sua liberdade. De certa forma, meio que torta, McMurphy finalmente consegue voar para longe do ninho, um verdadeiro voo para a liberdade.

Por mais que o ponto principal do filme seja uma crítica frente a forma tradicional de tratamento da loucura, devemos pensar além. Analisar o histórico de cada paciente apresentado, os comportamentos dos funcionários, de pessoas que vez ou outra aparecem na história, para fazer um apanhado geral. Será que é somente isso que o filme quer nos mostrar? Se por um lado tem-se as formas violentas de como essas instituições tratavam seus pacientes, por outro tem-se uma sociedade que permitia esses tipos de tratamentos, aproveitando, na maioria das vezes, dessa exclusão para passar uma imagem de sociedade saudável, abandonando homens e mulheres em verdadeiras prisões.

Hoje, com todos os avanços tecnológicos e o avanço da medicina, as observações de vários grupos de pessoas e tantas provas de que não se cura aquilo que não é doença e que loucura é mais um rótulo, por que ainda existem lugares que pregam a forma tradicional de tratamento (isolamento, punições)?

Ora, se somos tão imensos, por que reduzimo-nos tanto? Por que nos limitamos no falar, no agir e no pensar? Então, não são aqueles, que falam e agem como querem, que são estranhos, somos nós, que entramos em um ninho que não nos cabe.

Referências:

Blog; Baú de Informações. Lara, 2010. s/p. Disponível em:http://baudeinformacoes.blogspot.com.br/2010/04/critica-do-filme-um-estranho-no-ninho.html.

OLIVEIRA, William Vaz de. A fabricação da loucura: contracultura e antipsiquiatria. Hist. cienc. saúde- Manguinhos,  Rio de Janeiro,  v. 18,  n. 1, Mar.  2011 .   Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000100009&lng=en&nrm=iso. Acesso em 02 Jul. 2013.


FICHA TÉCNICA DO FILME

UM ESTRANHO NO NINHO

Título Original: One Flew  Over  the Cuckoo’s Nest
Gênero: Drama
Direção: Milos Forman
Elenco Principal: Michael Berryman, Jack Nicholson, Louise Fletcher, Danny DeVito, Anjelica Huston,Christopher Lloyd.
Nacionalidade: EUA
Ano: 1975