Mídia, Autoestima Feminina e Machismo

“Campanha da Real Beleza” da Dove

A mídia é um dos fatores responsáveis pela construção de opinião, conhecimento do mundo e de si mesmo. Com poder persuasivo e instrumento de manutenção do capitalismo, tem formado padrões comerciais e através de diferentes mídias como televisão, rádio, anúncios impressos e embalagens. A mídia vende um estereótipo inalcançável e que muda periodicamente, tornando ainda mais difícil alcançá-lo. A indústria dessa área cresceu ao ponto de ocupar o 3º lugar no ranking mundial de consumo de produtos de beleza e 2º lugar no ranking de cirurgias plásticas. Ocupar esses lugares é relatar a insatisfação das brasileiras com sua aparência, revelando que a autoestima de mulheres com origem mestiça de etnias está abalada por não pertencer aos padrões de beleza europeus estabelecidos. A insatisfação que muitas mulheres demonstram por seus próprios corpos evidencia o sucesso da estratégia utilizada pela indústria da beleza:

“O corpo aqui não é pensado de modo complexo, de forma holística, de maneira pluridisciplinar. Corpo é aparência física, e essa aparência tende a ser objeto de consumo que gera mais consumo.” (SIQUEIRA; FARIA, 2007, p. 173)

Uma pesquisa realizada pela Unilever para a marca Dove em 2005 mostrou que 89% das brasileiras entre 18 e 64 anos não se sentem bem com sua aparência e 66% das brasileiras já realizaram algum processo ou tratamento de beleza. Também aponta que a baixa autoestima dessas mulheres interfere no seu cotidiano, 69% das brasileiras já deixaram de desenvolver algum tipo de atividade que a deixava exposta, como sair de casa ou trabalhar. Essa pesquisa é a comprovação do quanto a mídia que expõe o ideal estético pode influenciar na vida cotidiana de mulheres, forçando-as a ser inseguras e permissivas, se submetendo a cirurgias que prometem o corpo vendido midiaticamente. E, mesmo sendo alvo de críticas a Dove lança a “Campanha da Real Beleza” que usou mulheres comuns em vez de modelos para vender seus produtos de beleza.

O apelo a sensualidade que é explorado pela mídia está fortemente presente na cultura brasileira, em comerciais de cerveja, por exemplo, em que as mulheres que atraem  os olhares dos homens são as que além de vender o produto, se apresentam dentro do padrão.  E durante a pesquisa da Unilever constatou-se que um dos fatores que levam as mulheres a cirurgias plásticas seria para atrair a atenção do sexo oposto, dessa forma, reforça valores machistas da atualidade como a obrigatoriedade da mulher ideal que consegue cuidar da casa, da família e ainda assim ter uma aparência agradável, tornando suas vidas cansativas e frustrantes. Em busca do corpo perfeito, mulheres desenvolveram distúrbios como anorexia e bulimia nervosa e vigorexia.

As imagens que são apresentadas pelas revistas, televisão e sites de moda, de modelos com aparência manipulada tecnologicamente, levam mulheres a se espelhar em padrões inalcançáveis. Esse tem sido um dos fatores que influenciam no desenvolvimento dos transtornos.

Gisele Bündchen em campanhas publicitárias

Há ainda a tendência a se discriminar pessoas que se desviam dos padrões estéticos, sendo atualmente confundido com busca pela saúde perfeita, que é ligada a aparência magra. No entanto, não se incentiva as mulheres a boa alimentação ou prática de exercícios como processo saudável, mas sim uma mudança rápida com produtos que aceleram o processo de emagrecimento, restringindo a alimentação.

Na sociedade atual o envelhecimento não é mais encarado como processo natural do corpo e sim como algo a ser combatido e evitado. Intervenções cirúrgicas se tornam cada vez mais populares inclusive entre os mais novos. Jovens e adolescentes são um público ainda mais fácil de serem manipulados por estarem numa fase onde a aceitação em grupos sociais está intimamente ligada à aparência. Segundo uma matéria publicada em julho de 2013 pelo jornal Estadão/São Paulo um levantamento da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostra que o número de cirurgias plásticas entre adolescentes aumentou 141% em 4 anos. Procedimentos mais comuns procurados por jovens são lipoaspiração e implante de silicone nas mamas. Querer modificar algo que não te agrada não é visto como problema, mas os motivos que te levam a não se agradar sim. Querer modificar o próprio corpo para se adequar às regras de beleza pode indicar um problema de dominação e padronização das pessoas. Em consequencia tem a inferiorização e baixa autoestima dos que não se adequam.

No entanto, nos últimos anos, também houve o aumento da exposição de indivíduos com transtornos alimentares na mídia. As novelas têm retratado isso, como em Páginas da Vida, com a personagem Gisele que desenvolve bulimia nervosa e a personagem Renata de Viver a Vida com anorexia nervosa. Além delas, outros casos foram retratados, como a personagem Veridiana, interpretada pela atriz Amanda Richter, em “Malhação”; a participante Leca do reality show “Big Brother”.

Paralelamente, as revistas e programas de celebridades atacam a vaidade feminina não só exibindo modelos em um estereótipo padrão que foge à realidade pois sofrem manipulação digital ou cirurgias plásticas, também ressaltam o que julgam imperfeições, exibindo e ridicularizando artistas. Dessa forma, associa-se ao ideal estético o sucesso e ao que foge disso o fracasso.

A cultura machista nos faz pensar que o corpo da mulher deve estar sempre disponível para receber críticas e rótulos e ao mesmo tempo, não aceitar elogios, quando dizem algo como “Que blusa bonita”, a tendência que escute alguma crítica referente como “Esse trapo?”. O perfil de mulher humilde, a Amélia cantada pela música brasileira e trazida como ideal é o reflexo de uma cultura que mostra o feminino com inferioridade. Sua beleza é estar passiva a toda situação a sua volta. O que difere a Amélia da música e a Amélia da sociedade é que se não for vaidosa, não é mulher de verdade. O ideal de mulher está descrito nos slogans de filmes, revistas e novelas com “Mulher trabalha, é forte, multitarefas, doce e de salto”. O salto nesse caso, representa a vaidade. E assim nos dizem como nos comportar, se estamos gordas demais, magras demais, se precisamos alisar o cabelo ou aumentar os seios. Dentro dessa cultura, é legítimo apontarmos para corpos perfeitos do mesmo modo que podemos apontar os defeitos nos corpos femininos alheios.  Os distúrbios alimentares surgem como consequência dessa busca incessante pela perfeição.  Todos precisam entender que, assim como o homem sempre foi, a mulher é livre e dona de seu próprio corpo.

Alguns dos objetivos da prevenção podem ser: ensinar que a forma corporal não é indicadora de caráter e capacidade; enfatizar a importância da alimentação saudável e da importância cultural e social dos alimentos; discutir os riscos da prática exagerada de dietas restritivas e exercícios; maneiras de resistir às pressões culturais em relação à magreza; ensinar formas de lidar com as transformações corporais da adolescência; e trabalhar a autoestima.

É necessário cobrar da mídia a responsabilidade social acima do fator comercial. Quando o rentável está sendo mais considerado que a satisfação, o consumidor precisa responder e questionar as outras funções midiáticas, como a informação e o entretenimento. Deve-se deixar de seguir os padrões e sentir-se belo, reconhecer suas singularidades, buscar sempre o bem-estar e a saúde.

Referências:

CARON, Caroline Freiberger. A influência da moda na ditadura da beleza feminina. Disponível em <http://www.fiepr.org.br/nospodemosparana/uploadAddress/moda%5B24229%5D.pdf>. Acesso em 08 abril 2014

SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira; FARIA, Aline Almeida de. Corpo, saúde e beleza:representações sociais nas revistas femininas. Comunicação, mídia e consumo. São Paulo. Vol.4 N. 9 P. 171 – 188. MAR. 2007.


Nota:
O texto teve a orientação do Prof. Dr. Ricardo Furtado Rodrigues

Aluna do Curso de Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), Campus Vila Velha (ES) e integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos em Inovação Tecnológica e Ciências (INTEC)