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A seleção brasileira, Médici e os anos de chumbo

A história de aproveitamento ilícito da imagem da seleção brasileira de futebol – apesar de não ser conhecida por todos e todas – não tem início na copa de 1970. Segundo Gastaldo (2002), o aproveitamento da imagem da seleção brasileira enquanto instrumento de propaganda – busca de popularidade que até o momento não existia – tem início na copa de 1966 na Inglaterra quando “todos” queriam se aproveitar da imagem do time bicampeão – a seleção passou por cinco cidades antes de viajar para Europa, Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói.

No “pacotão da repressão” de Médici – que não media esforços para atrelar sua imagem a imagem da seleção – o futebol tinha espaço de destaque antes mesmo da copa do mundo de 1970. Quando Pelé fez seu milésimo gol, Médici o condecorou em Brasília numa perceptível tentativa de relacionar a imagem vencedora do Pelé ao regime militar.

O resultado da copa do mundo de 1966 não foi o esperado pela ditadura. A seleção brasileira de futebol cometeu um fiasco saindo da competição ainda na primeira fase. Logo existia uma insatisfação pública com o desempenho da seleção. Passou a ser uma temeridade o futuro na copa do mundo de 1970.

No Brasil […] […] a relação entre Estado e organização esportiva assumiu durante a ditadura do Estado Novo um caráter corporativista que persistiu até o fim da ditadura militar do pós-64. A relação corporativista é caracterizada por uma imposição das regras por parte do Estado autoritário, fazendo retroceder ao mínimo o grau de autonomia da organização esportiva. Interessante é, no entanto, que as organizações esportivas, mesmo no capitalismo avançado, mantêm laços estreitos de ligação com o Estado. É que as organizações esportivas passaram a cumprir funções públicas nas quais o Estado tem interesse. (BRACHT, 1997, p. 75).

Mas é na copa de 1970 no México que o “mito verde e amarelo” (BRACHT, 1997) tem início com a utilização da imagem da seleção como um dos instrumentos centrais de divulgação do regime empresarial/militar ditatorial.

Até a copa de 1970 o futebol brasileiro nunca tinha tido tanta importância e visibilidade para o governo empresarial/militar como teve para o governo de 1970 do então presidente Emílio Garrastazu Médici (30/10/1969 a 15/3/1974)[1].

Nesta ação de tratar o sucesso da seleção brasileira de futebol de forma indissociável com o regime empresarial/militar[2] foram utilizadas frases como “Ninguém Mais Segura Este País” – Ninguém segura essa seleção – ou “Pra Frente Brasil” – Pra frente Brasil, salve a seleção. Essa atitude do governo militar foi uma tentativa expressa de neutralizar a luta de classes, mistificar a realidade, pois o “canto da sereia” do futebol/seleção brasileira possibilitava/possibilita reduzir a compreensão das condições materiais e sociais da existência do povo brasileiro.

Na preparação para copa do mundo de 1970 os resultados não eram satisfatórios, foi daí que João Saldanha – até antes de assumir a comissão técnica da seleção era comentarista esportivo e um dos principais críticos da seleção brasileira – foi contratado pela então Confederação Brasileira de Desportos – CBD que era dirigida a época por João Havelange[3]. Este incluisve chegou a declarar que o contratou para tentar diminuir as críticas ao selecionado brasileiro (GASTALDO, 2002).

João Saldanha conseguiu classificar a seleção para a copa de 1970 de forma esplendorosa, mas foi demitido por motivos expressamente políticos/ideológico, pois Saldanha era militante do Partido Comunista Brasileiro e após uma declaração do presidente Médici sobre uma lista de convocados, Saldanha declarou publicamente que “O presidente escala o ministério dele que euescalo o meu time”. Poucos dias após a declaração Saldanha foi demitido do cargo de técnico da seleção brasileira de futebol[4](MAGALHÃES, 2012).

Segundo Magalhães (2012), Oliveira (2012), é a partir desse momento que a seleção brasileira de futebol passa a ser questão de segurança nacional.

[…] o então ministro da Educação e Desportos Jarbas Passarinho determinou que a situação e a crise na seleção afetavam diretamente o país […] […] Havelange foi convocado para conversar com o próprio Ministro e com o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o general Carlos Alberto de Fontoura; com o chefe do Gabinete Civil, João Leitão de Abreu; e o chefe do Gabinete Militar, João Baptista Figueiredo. O encontro mostrava o interesse do governo na questão ‘seleção nacional’, e o tema passou a ser cada vez mais controlado pelo regime. (MAGALHÃES, 2012, p. 237).

‘Notícias do México dão conta da perturbação que a notícia do sequestro provocou no ambiente do nosso selecionado. Pelé, Rivelino e outros jogadores manifestaram-se, condenando o ato terrorista’. ‘As ‘notícias’ a que a Folha se referiu eram, na verdade, uma nota oficial do Ministério do Exército […]’ (GUTERMAN, 2004, p. 273).

Como não é difícil acertarmos o resultado da copa do mundo de 1970, logo precisamos fazer uma análise mais acurada do que a conquista da copa do mundo de 1970 representou para o regime golpista. Para Magalhães (2012) esse foi o maior triunfo propagandista do regime militar. “A ditadura militar consolidou-se como forma de poder de Estado reproduzindo continuamente o ato de força com que se instaurara: na síntese histórica objetiva, a ditadura é o golpe continuado e o golpe o primeiro ato da ditadura” (MORAIS, S/D, p. 04).

Precisamos entender que a situação de repressão, torturas, exílios, assassinatos não se davam por acaso. No final dos anos 60 e início dos anos 70 a resistência contra a repressão militar foi muito grande por parte da esquerda brasileira tanto na cidade quanto no campo e é a partir daí que se iniciam os “anos de chumbo” (MAGALHÃES, 2012).

[…] os ideais “constitucionalistas” e “liberais” de 1964 foram traídos pela pressão da linha dura que, em confronto com o radicalismo da guerrilha de esquerda, teria exigido um “golpe dentro do golpe”, tal como ficou conhecidaa promulgação do Ato Institucional n°5, marco da legislação repressiva do regime, em 13 de dezembro de 1968. Com o AI-5, a ditadura “envergonhada” teria se transformado em “ditadura escancarada” isolando-se da sociedade. (NAPOLITANO, 2011, p. 217).

Segundo Morais (S/D), os anos finais dos anos 60 foram problemáticos para o regime militar. Vários setores da sociedade civil – principalmente estudantes e militantes de organizações da esquerda armada – tomaram as ruas de algumas capitais.

Ora, em 1968, quando os grupos que mais tarde iriam formar a ALN[5] e a VPR[6] já haviam constituído o núcleo de suas organizações clandestinas respectivas, irromperam as lutas estudantis, logo ampliadas a largos setores da opinião democrática e reforçadas pelas greves de Contagem e de Osasco. Pela primeira vez desde o golpe, o regime militar era colocado na defensiva política. (MORAIS, S/D, p. 06).

As manifestações populares de 1968 só foram superadas em 1984 durante as manifestações do que ficou conhecido como “diretas já”, mas mesmo assim a duração das manifestações de 1968 foi bem maior, aproximadamente 8 meses (MORAIS, S/D).

Devemos tomar cuidados para não tomarmos um “golpe antes do golpe”, e aprendermos com a história, pois quando o regime militar percebeu que perderia a hegemonia e por consequência opoder, não aprovaram as “diretas já” e montaram um congresso nacional constituinte nos moldes da ditadura – com pequenas exceções – e nossas manifestações pacíficas foram incapazes de mostrar a nossa verdadeira vontade/necessidade. Isso nos faz questionar como Bertolt Brecht (2009) no poema “De que serve a bondade”?

Fica assim evidenciado que a reação do regime militar na tentativa de “recompor a hegemonia” precisava de um algo a mais além da repressão, das torturas, exílios e assassinatos para convencer o povo brasileiro da sua suposta legitimidade, infelizmente a seleção brasileira de futebol foi – ou é? – parte importantíssima nesta engrenagem.

Referências:

BRACHT, Valter. Sociologia critica do esporte: uma introdução. UFES, Centro de Educação Física e Desporto. (1997).

BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. Editora 34 Ltda, São Paulo, 2009.

GASTALDO, Édison Luis.Notas Sobre um País em Transe: Mídia e Copa do Mundo no Brasil.Disponível em<https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/5925> Acesso em 25/10/2011.

GUTERMAN, Marcos. Médici e o futebol: a utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Disponível em <http://www.ludopedio.com.br/rc/index.php/biblioteca/recurso/279> Acesso em 16/06/2012.

MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Ditadura e futebol: O Brasil e a Copa do Mundo de 1970.Disponível em <http://historiapolitica.com/datos/boletin/Polhis9_MAGALHAES.pdf> Acesso 05/03/2010.

MORAIS, João Quartim de. Amobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Disponível em<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_mobilizacao.pdf Acesso em 05/05/2012.

NAPOLITANO, Marcos. O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro: apontamentos para uma revisão historiográfica. Disponível em <http://marxismo21.org/50-anos-do-golpe-de-1964/> Acesso 05/02/2014.

OLIVEIRA, Marcos Aurelio Taborda de. Esporte e política na ditadura militar brasileira: a criação de um pertencimento nacional esportivo. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 04, p. 155-174, out/dez de 2012.


[1]A Arena/PSD partido da autocracia militar burguesa infelizmente nos deixou dois herdeiros legítimos o Democratas – DEM que já teve o nome Partido da Frente Liberal-PFL &o Partido Progressista-PP, este infelizmente hoje dirige a cidade de Palmas-TO onde a especulação imobiliária, o monopólio do transporte público e os latifúndios urbanos ainda imperam.

[2]Vide “Compreensão histórica do regime empresarial-militarbrasileiro” de Fábio Konder Comparato em http://www.unisinos.br/blogs/ihu/caderno-ihu-ideias/compreensao-historica-regime-empresarial-militar-brasileiro-edicao/

[3]João Havelange ficou a frente da CBD de 1956 a 1974 e Ricardo Teixeira de 1989 a 2012 bem democráticos não?

[4]Para saber mais sobre, assista a entrevista de João Saldanha ao programa “Roda vida” da TV Cultura, https://www.youtube.com/watch?v=Kt4uJHHwAgE

[5]Ação Libertadora Nacional.

[6]Vanguarda Popular revolucionária.