A Casa de Pequenos Cubinhos: solidão, memória e devir

O excesso de som e movimento, e cada qual com sua altura e freneticidade, são marcas do presente. Contemplar a quietude do silêncio ou a sutileza dos ruídos ao redor em estado de imobilidade primordial são elementos cada vez mais distantes dos meios de circulação de informação e, especialmente do entretenimento, como animações, filmes, programas de rádio e televisão e a internet.

Neste cenário encontramos vez ou outra, de forma quase despercebida, pequenos achados que navegam contra a corrente, e um destes casos é o curta metragem japonês A Casa de Pequenos Cubinhos (“Tsumiki no ie”, Kunio Katô, 2008) ganhador de vários prêmios internacionais em sua modalidade, cujas mensagens, reflexões e alguns aspectos marcantes serão objeto deste breve texto de análise interpretativa do seu conteúdo.

O filme conta a história de um homem velho que vive sozinho em uma cidadela submersa, em sua maior parte, pelo mar e quanto mais a água sobe mais alta se torna sua casa em formato de cubos sobrepostos construídos pelo próprio morador, até que, em dado momento, o senhor volta a descer nos níveis inferiores de sua residência, encontrando lá lembranças de sua vida.

O tema da solidão é central no curta-metragem, e sua riqueza e complexidade podem facilmente ser entregues à banalidade melodramática, principalmente na linguagem cinematográfica. E, respeitar a delicadeza desta temática a fim de lhe dar verossimilhança em uma projeção imagética, artística ou fílmica é sem dúvida o principal mérito a ser dado à Kunio Katô, diretor e roteirista da animação, algo visto de forma semelhante em outros curtas-metragens como Le cyclope de la mer (1999) e o brasileiro O Céu no Andar de Baixo (2010), que trabalham com estórias voltadas ao tema do isolamento e ostracismo.

Nesta mesma premissa da questão da solidão, nas últimas décadas tem ocorrido a renascença do debate acerca do sujeito e do seu significado, com o desenvolvimento das correntes de pensamento que buscam uma compreensão deste sujeito em si mesmo, assim o foi e é com a fenomenologia, a psicanálise e o existencialismo.

A maior dificuldade nestes casos é a tentativa de não se cair no circo teleológico de uma finalidade imediata para a vida ou no outro extremo a suspensão de todo e qualquer sentido, assumindo-se o absurdo do existir e a banalidade da vida, cujo sentido estaria em seu fim, a morte. No entanto, o que dá sentido ao sujeito? Neste ponto chega-se no limiar da decisão = des (negação), cisão (divisa, limite), entre as duas esteiras de compreensão citadas, e, a alternativa encontrada no curta-metragem japonês e exposta de forma singular e tocante em seus pouco mais de dez minutos é o devir. E a mensagem do pequeno filme é ir contra a destinação pragmática ou a desistência da própria vida, refutando o esquecimento de si, para recuperar o movimento da existência pelos momentos que marcam o percurso de um indivíduo em sua singularidade.

Com base nestas colocações é possível identificar ao menos duas alegorias de interpretação e reflexão no curta-metragem, que se interconectam de maneira simbiótica no fortalecimento da narrativa, dentre tantas outras, a depender do olhar do espectador. A primeira delas é em relação ao caráter dimensional que dá corpo de fundo à história, pois, no ambiente quadrático que serve como habitação para o personagem principal a marca principal é o cotidiano frígido, o distanciamento da realidade e a inefável solidão.

O ponto de superação a esta tridimensionalidade se dá no momento que há a (re)descoberta do tempo, a quarta dimensão, que dá à vida o seu sentido no espaço, na comunhão tempo-espaço da formação de uma individualidade do sujeito, e, só assim que o existir alcança sua plenitude como experiência efêmera do viver.

A outra alegoria diz respeito à ação do mergulho nas profundezas do mar, como as camadas componentes do eu. Esta atitude é tomada como alternativa para uma mudança do paradigma de distanciamento do personagem em relação a si próprio e o seu existir, que, por sua opção foi cristalizado em lembranças longínquas, imagens desgastadas e uma carranca espessa como expressão diária. A poesia desta segunda alegoria se estabelece a partir do momento que sua ocorrência só se torna possível por um capricho do acaso, na chegada do detalhe que molda o pico da viragem no retorno do sujeito consigo mesmo, no interior de seus próprios muros, paredes, porões e cômodos a muito construídos e esquecidos.

Por fim, se a solidão, o isolamento, o uso do silêncio e dos ruídos da trivialidade possuem um alto grau de complexidade para sua representação, maior ainda é a demonstração em um mesmo círculo narrativo do ponto de mutação destas situações, emoções e circunstâncias, uma catarse. E o mais prodigioso, no caso d’A Casa de Pequenos Cubinhos (“Tsumiki no ie”, Kunio Katô, 2008), é a extrema simplicidade com que coloca aos nossos olhos a mescla entre o fascínio do acaso e a execução do arbítrio em uma dança dialética e dialógica de reencontro de si.


FICHA TÉCNICA

A CASA DE PEQUENOS CUBINHOS

Título original:Tsumiki no ie.
Direção: Kunio Katô.
País: Japão.
Ano: 2008.
Digital. 12 min.