Apolo e a sombra da distância emocional

Apolo nasceu em um dia sete. Sete é, pois, o número de Apolo. Filho de Leto e Zeus e irmão gêmeo de Artemis. Ao nascer ganhou de seu pai Zeus um arco e flecha de ouro e uma lira.

Conhecido pelos romanos também como Apolo ou Febo (brilhante, reluzente).

Apolo de Belvedere, autor desconhecido, com restaurações de Giovanni Montorsoli. Vaticano.

Apolo é um deus solar, mas Em suas origens, estava indubitavelmente ligado à simbologia lunar. Brandão (1986) cita que no primeiro canto da Ilíada Apolo era um deus vingativo:

“O Senhor Arqueiro, o toxóforo; o que porta um arco de prata, o argirótoxo. Violento e vingativo, o Apolo pós-homérico vai progressivamente reunindo elementos diversos, de origem nórdica, asiática, egéia e sobretudo helênica e, sob este último aspecto, conseguiu suplantar por completo a Hélio, o “Sol” propriamente dito.”

Pelo fato de possuir muitas influências se tornou um deus complexo, possuindo inúmeras funções. Apolo possui na Mitologia mais de duzentos atributos.

É um deus agrário protetor dos campos com seus rebanhos e pastores. Ele também é o deus da cura, sendo um médico infalível. Representa as expiações relativas aos homicídios, mostrando ser também é um purificador da alma. Incentivava e defendia pessoalmente aqueles cujos atos violentos estivessem de acordo com suas normas, como foi o caso de Orestes, que assassinou a própria mãe Clitemnestra.

Deus do oráculo de Delfos era um fiel interprete da vontade de Zeus. Senhor da poesia, da música e do canto, era o senhor das Musas.

Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73 a.C.).

Mas além de tudo era um deus da luz, vencedor das forças ctônicas (foi ele quem matou a serpente Piton e assumiu o oráculo de Delfos).

Apolo era belo e teve inúmeros amores, mas o Deus da beleza masculina costuma ser um fracasso nessa área. Seus amores geralmente terminam de trágica.

Isso porque Apolo em uma de suas lendas costumava zombar de Eros, pois julgava que o arco e a flecha eram atributos seus, e que certamente considerava que as flechas do filho de Afrodite não passavam de brincadeira. Acontece que Eros possuía na aljava a flecha que inspira amor e a que provoca aversão. Para se vingar do filho de Zeus, feriu-lhe o coração com a flecha do amor e a ninfa Dafne com a da repulsa e indiferença. Foi assim que, apesar da beleza de Apolo, a ninfa não lhe correspondeu aos desejos, mas, ao revés, fugiu para as montanhas. O deus a perseguiu e, quando viu que ia ser alcançada por ele, pediu a seu pai Peneu que a metamorfoseasse e ela se transformou em loureiro, a árvore predileta de Apolo.

Apolo y Dafne, de Bernini. (1622-1625).

Em seu templo em Delfos há inscritos seus dois mais famosos preceitos: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”. A planta sagrada e os cisnes são a ele consagrados, como também o corvo, o urubu, a serpente e o lobo.

Apolo, juntamente com Hermes, são os filhos preferidos de Zeus, isso significa que os dois deuses se sentem a vontade nos domínios do pai, ou seja, Apolo é um Deus do patriarcado.

Como Deus do patriarcado ele favorece o logos, o pensar antes de sentir e reagir, a objetividade e a racionalidade. Ele é aquele que busca o equilibro entre os desejos no sentido de uma espiritualização deles em prol do desenvolvimento da consciência.

Como arqueiro, Apolo representa aquele que busca atingir um alvo, um centro interior. Como foi dito em Artemis acertar um alvo, ou atingir uma meta requer uma intuição e inteligência instintiva, que não vem da mente racional.

E é justamente por isso que Apolo necessita de Artemis uma deusa matriarcal. Os irmãos mostram que para se atingir um alvo e para iniciar o processo de individuação é necessário que feminino e masculino ajam juntos e que se busque esse equilíbrio entre as duas forças. Ela é a intuição lunar e ele a luz da consciência.

O tema do casal de irmãos é muito comum em mitos e em contos. Temos por exemplo o conto de fadas João e Maria onde os irmãos devem se unir para enfrentar um perigo e resolver uma situação difícil e nebulosa.

O casal de gêmeos geralmente configuram uma contradição não resolvida, um conflito entre os opostos feminino e masculino, mas dessa tensão é que surge a força criadora que soluciona o problema e traz a consciência.

Apolo é um defensor da lei e da ordem, mesmo na música vemos que ele busca o equilíbrio e que as emoções devem ser moderadas. Ele se opõe ao caos do matriarcado. De certa forma a lei e a ordem são importantes para que possamos colocar em ordem nossas emoções caóticas e vermos a situação com mais distancia e esse é o lado positivo desse arquétipo.

O lado sombrio disso se encontra nas características escuras do deus. Apesar de ser um deus puro, higienizador e defensor da moderação, ele apresenta rompantes de vingança que beiram a crueldade.

A sombra desse arquétipo se encontra na distância emocional, devido a falta Eros, de quem Apolo tanto zombou. E isso causa uma incapacidade de intimidade e arrogância em suas capacidades intelectuais. Apolo gera uma inflação no ego devido a sua ilusória perfeição, o que conseqüentemente leva a rejeição no campo do amor.

Apolo e Hércules disputando a trípode, pintura em vaso do Pintor de Taleides, c. 520 a.C.

Uma forma de amenizar isso se encontra em seu irmão sombrio Dioniso.

Dioniso representa o caos, o desmembramento e os instintos. É um deus com essência feminina, pois foi criado entre as mulheres. Dioniso é um deus da musica também, mas esse faz amor com a música enquanto Apolo busca a técnica e a perfeição.

Apolo deu espaço a Dioniso em Delfos, onde revezava com ele metade do ano. Isso mostra que esse arquétipo pode gerar um aumento de consciência devido a sua capacidade solar, mas deve sempre ser equilibrado pela luz da lua representado por Artemis ou pelos instintos, intensidade emocional e prazer simbolizados por Dioniso.

 

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.