A construção do fazer psicológico na saúde mental

Há pouco mais de uma década, com a elaboração e implantação da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira (Lei 10.216/2001) em que estão previstas ações que viabilizam a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos, ditos manicômios ou hospícios, por serviços que ofereçam atendimentos/tratamentos humanizados aos portadores de sofrimento psíquico, observa-se que há uma demanda pela desconstrução de aspectos instituídos socialmente: o preconceito frente à loucura e a consequente exclusão do “louco” do meio social.

Para compreender a relação que a sociedade estabelece com a loucura é fundamental pensar que, historicamente, as pessoas que apresentavam transtornos mentais não eram escutadas por aqueles que as atendiam, não havendo espaço para a fala, pois não eram reconhecidos enquanto sujeitos de direito. A morte, a exclusão, o isolamento, a tortura e a medicação desmedida foram os tratamentos adotados para o controle dos que eram vistos como perturbadores da ordem. A ciência procurou tratar reduzindo o paciente a uma produção de sintomas, a um ser sem subjetividade.

Embora essa ainda seja a realidade cotidiana de quem sofre com transtornos mentais, o lugar que a loucura ocupa na sociedade contemporânea sofreu transformações significativas graças aos movimentos sociais, a participação dos usuários e seus familiares e da marcha dos trabalhadores da saúde.

Dentre essas mudanças está a relevante contribuição da Psicologia que propõe romper com os paradigmas excludentes, demonstrando que o portador de sofrimento psíquico tem subjetividade desde que se possibilite o acesso: inserindo-o no seu processo de tratamento, considerando-o um sujeito de desejo e criando um espaço para escutar o seu sofrimento, ou seja, deslocando a atenção da doença para o sujeito. O usuário da saúde mental passa a ser um protagonista de seu tratamento, conhecendo o seu sofrimento e dando voz aos seus desejos.

A intervenção psicológica realizada junto a um usuário da saúde mental exige uma atuação diferenciada do profissional, já que terá de atuar de forma interdisciplinar, dialogando com as mais variadas áreas; destinando uma escuta ampliada, integral e abrangendo o seu contexto de convívio. Mesmo assim é possível estabelecer uma clínica do sujeito, valorizando sua história, fazendo advir o sujeito desejante e tornando-o ativo participante nas escolhas que irão repercutir no seu modo de vida: passa-se não mais a trabalhar com o conceito de cura para viver em sociedade, mas com a promoção de saúde.

Nesse sentido, a escuta do psicólogo direciona-se não ao sintoma do sujeito, como outrora, mas ao sujeito do sintoma em que escutar torna-se um dispositivo capaz de sustentar o lugar social e singular do mesmo.

O profissional deve acolher os sons, as falas, as formas, os atos, afirmando que há ali um sujeito com algo a dizer e a fazer, interessando-se por esse algo e esforçando-se por buscar um sentido nesse fazer. Trata-se de uma clínica que está em constante produção, transformação, criação e invenção, e isso depende fundamentalmente do desejo do profissional: ser um explorador movido por seu próprio desejo.