Before Midnight – Antes da Meia-Noite

Com uma indicação ao Oscar:
Melhor Roteiro Adaptado

Jesse: Não posso acreditar que tenho 41 anos.
Celine: Também não. Estamos tão velhos.
Nunca pensei que iria dormir com alguém com mais de 40.

Enquanto em Antes do Amanhecer (1995) Celine aceita o convite de um estranho e sai para um passeio noturno em Viena, em Antes do Pôr-do-Sol (2004) a decisão súbita veio de Jesse, ao deixar subentendido que iria perder o voo. Ao ficar, Jesse cria uma possibilidade de futuro bem mais complexa do que aquela que eles sonharam aos 23 anos. Com essa decisão, ele deixa para trás um casamento desgastado, mas também a convivência diária com o filho. Assim, se nos dois primeiros filmes vimos “possibilidades”, em Antes da Meia-Noite (2013) temos a consequência dos condicionais lançados, ou seja, temos a realidade de Jesse e Celine como casal.

E a realidade nunca é plenamente suave, mas, talvez, por isso mesmo seja mais interessante. No início do filme, durante a despedida de Jesse e seu filho (de 13 anos) no aeroporto, vimos que a decisão tomada em 2004 acarretou no distanciamento que ele tanto temia. É nítido que a ex-mulher o odeia, que ele tem dificuldade para superar a distância e o silêncio depois de cada frase com o filho mostra que é complicado fazer parte da vida de alguém, especialmente, se o tempo para isso é breve.

 

Celine: Lembra da carta que me deixou ler que escreveu quando tinha 20 anos pra você mesmo aos 40? […] Você ainda é o mesmo. Mas acreditamos que estamos evoluindo.

Jesse: Sabe que acho que mudei muito. Quando eu era mais jovem, apenas queria que o tempo corresse para que eu pudesse estar sozinho, ser livre dos meus pais, da escola e outras merdas, só queria fechar os olhos e acordar como um adulto. E agora sinto que isso passou e eu quero que tudo ande mais devagar. 

 

“Antes da meia-noite” tem como cenário uma ilha grega, em que Jesse e Celine, juntamente com suas filhas gêmeas, passam as férias. O roteiro é assinado novamente pelo trio (Linklater, Ethan e Julie) e, segundo Ethan (1), “como os dois primeiros filmes foram mais uma projeção romântica, o terceiro tinha que ser o oposto disso”. E Linklater acrescenta “os filmes anteriores foram sobre a exploração de uma conexão que não tinha sido totalmente definida. O que é maravilhoso, mas quanto tempo você pode explorar isso? O fato de que eles ainda estejam juntos é muito romântico. Mas é um romance diferente, mais árduo”.

 

“Estou feliz que você tenha tempo de contemplar o universo e tenha problemas existenciais, porque eu não tenho. Eu quase não tenho tempo para pensar.”  (Celine)

 

Acho que o grande desafio para o trio de roteiristas foi apresentar o romance no cotidiano, considerando as frustrações e conflitos que estão presentes em vários níveis e sob certos disfarces.  Quanto mais profunda é a rotina, mais fácil parece ser evitar pensar no presente. Assim, projeta-se um futuro, divaga-se sobre o passado, mas o presente, esse, permanece preso e seguro a uma espécie de teia formada pelas atividades diárias, por afirmações lançadas aparentemente sem contexto e pelo cansaço natural.

Na primeira parte do filme, Jesse e Celine estão com um grupo em uma longa cena de jantar. De certa forma isso foi necessário porque já não é tão natural uma conversa entre os dois sobre coisas banais e divertidas ou existenciais e reflexivas como aconteceu nos outros filmes.

“Uma vez que essas pessoas estão juntas há anos, o que elas têm a dizer uma para a outra? Isso levou a cena gigante do jantar, que nos deu uma desculpa para sabermos sobre eles a partir de uma conversa com outras pessoas”. [1] (Ethan Hawke, 2013)

Eles pedem a Jesse e Celine que contem sua história a um jovem casal. A partir disso, vem à tona o tema “almas gêmeas”, enfatizando os casais que passaram uma vida inteira juntos.

“A mãe de minha avó escreveu para toda a família uma carta de 26 páginas em seu leito de morte. Ela escreveu três páginas sobre um traje que fez para uma peça e apenas um parágrafo para o marido. […] Sobre meu bisavô, ela mencionou três coisas: foi para a guerra, mudou por causa do trabalho e morreu! Seu grande conselho foi para não sermos consumidos pelo amor romântico.  Amizades e trabalho deram a ela a maior felicidade.”(Anna)

“Quando penso no meu marido, o que eu mais sinto falta é a forma como ele se deitava ao meu lado à noite.  […] Ele aparece e desaparece como um amanhecer ou um pôr do sol. É tudo tão efêmero. É como a nossa vida, nós aparecemos e desaparecemos. E nós somos tão importantes para alguns. Mas estamos apenas de passagem.” (Natalia)

“Nunca fomos um, sempre fomos dois e assim nós preferimos.  […] No final do dia, não é o amor de uma pessoa que importa, e sim o amor pela vida.”  (Patrick)

 

A partir dessa conversa é mais fácil entender a lógica para o suicídio dos amantes adolescentes na obra de Shakespeare. Seria difícil para qualquer escritor eternizar o amor entre duas pessoas se isso não acabasse tragicamente cedo ou se não fosse mostrado apenas a parte da euforia, da paixão e dos sonhos exuberantes.

Mostrar a continuação da vida de Jesse e Celine, considerando o que foi apresentado nos filmes anteriores, ou seja, um casal com ideais românticos elevados, ainda que críveis, deve ter sido um quebra-cabeça para os roteiristas. Julie Delpy sintetiza essa complexidade assim: “Agora eles estão juntos. Eles estão lidando com a questão real de encontrar a sua alma gêmea e viver com ela.” [2]

 

“Sinto falta disso, de ouvir você pensar…” (Jesse)

A parte central do filme, que é o segundo momento da história, passa-se em um quarto de hotel. Ali, sem as filhas, sem as vozes das outras pessoas, nas horas que antecedem a meia-noite, tem-se o cenário para o romance e o embate.

O diretor optou por fazer cenas longas, filmadas sem cortes, o que ajuda a mostrar toda a tensão que existe, mesmo quando eles estão, aparentemente, se entendendo. O carinho mútuo e o desejo urgente de um pelo outro não são suficientes para criar um ambiente de harmonia. Basta uma ligação do filho de Jesse, que preferiu falar com Celine ao invés do pai, para trazer à superfície toda a dor e a raiva que estavam contidas.

 

Celine: é estranho – eu sempre tive esse sentimento, não importa onde eu estou na minha vida, que é tanto uma lembrança ou um sonho.

Jesse: Eu sei , você sempre pensou isso. Eu também. É como… esta é realmente a minha vida? Isso está acontecendo agora?

Em um dado ponto desse embate, provavelmente alguns mais românticos preferissem que a história tivesse sido concluída em “Antes do Pôr-do-Sol”, ao som de Nina Simone e na expectativa sobre a longevidade daquele reencontro. Mas, talvez seja a “queda” dessas expectativas mais românticas que torna esse filme tão interessante.

Toda essa raiva latente que foi trazida à tona no quarto do hotel nos permite enxergar nesse casal aqueles Jesse e Celine do início. De certa forma, essa explosão de emoções mostrou que ainda há sentimentos profundos e, quem sabe, esteja aí a grande vertente romântica desse filme, que é a exploração da realidade, não de projeções de uma relação ideal, que só existe no campo do imaginário ou dos sonhos.

REFERÊNCIAS:

[1] http://www.nytimes.com/2013/05/05/movies/ethan-hawke-and-julie-delpy-discuss-before-midnight.html

[2] http://www.thetranscript.com/ci_23317424/one-more-shot-at-romance-before-midnight

Leia mais sobre a trilogia “before”:

Antes do Amanhecer: http://ulbra-to.br/encena/2014/01/13/Before-Sunrise-Antes-do-Amanhecer

Antes do Pôr-do-Sol: http://ulbra-to.br/encena/2014/01/14/Before-Sunset-Antes-do-Por-do-Sol

FICHA TÉCNICA:

ANTES DA MEIA-NOITE

Título Original: Before Midnight
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy
Elenco: Ethan Hawke e Julie Delpy
Ano: 2013

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.