Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Sul pelo professor Gustavo Zambenedetti trouxe revelações importantes sobre como as políticas públicas e o atendimento de saúde pode interferir no diagnóstico, prevenção e tratamento de HIV. O levantamento foi realizado em Porto Alegre, na região brasileira com maior índice de contaminação pelo vírus, e os resultados foram apresentados a estudantes e profissionais de psicologia, que estiveram presentes em palestra realizada no CEULP/ULBRA na última sexta feira, 08.
Segundo Zambenedetti a estigmatização da doença – que no imaginário geral está muito associada a uma conduta sexual inapropriada – é um dos principais fatores que colocam em risco o sucesso do tratamento, tendo em vista que muitos portadores do vírus não aderem aos protocolos por não encontrar o apoio adequado e preparado dos profissionais da rede de saúde.
Outra questão a ser considerada, lembra o professor, é o duplo desafio emergido a partir da descentralização dos serviços de diagnóstico e prevenção. Assim, o simples fato de ter que ser atendido em uma unidade de saúde próxima à sua moradia restringe a procura do público alvo, já que o portador do HIV pode se sentir inseguro quanto à discrição dos agentes públicos.
A questão levantada pela pesquisa no Rio Grande do Sul foi confirmada no Tocantins pela enfermeira Renata Bandeira, que fez uma observação sobre a situação em Palmas, Porto Nacional e Paraíso, onde as pessoas saem de seu local de origem para receberem atendimento na cidade mais próxima e assim evitar a exposição de sua situação junto a conhecidos. "Embora o SUS tenha como prioridade a descentralização, no caso do HIV/Aids, isso não é uma realidade pela própria escolha dos pacientes que, devido a preconceitos, procuram cidades vizinhas em vez de equipes de saúde da família da sua região", afirma Renata.

Os preconceitos aparecem como ponto crucial na pesquisa. “O estigma da aids se apoia sobre aspectos já estigmatizados da sexualidade”, afirma Zambenedetti. A relação da doença a grupos de homossexuais, provocada em grande parte pela mídia e pela própria ciência que no início fez essa associação, por exemplo, aumenta muito a vulnerabilidade não apenas deste grupo que se sente recriminado pela sociedade, mas também dos que pensam estarem mais protegidos por serem hetero, ou simplesmente por “não se considerarem promíscuos”.
O professor relatou alguns casos interessantes como o de um funcionário que estava a distribuir camisinhas e foi procurado por uma senhora da terceira idade questionando o fato dele não ter lhe oferecido o preservativo, como se ela não pudesse ser sexualmente ativa. Diante da situação ficam expostos os preconceitos sociais refletidos no comportamento da própria equipe de saúde. No pensamento do profissional, ao oferecer camisinha a uma senhora estaria lhe desrespeitando, talvez sugerindo que ela fosse promíscua, e isso lhe impediu de exercer sua função como deveria. A situação evidencia o pano de fundo subjetivo, carregado de estigmas como o que pressupõe que uma mulher, especialmente senhoras de mais idade ou grávidas, não têm vida sexual ativa; ou que um homossexual teria mais chance de contrair HIV que um hetero.
O ponto alto da pesquisa que envolveu pessoas na fila para fazer o teste rápido de HIV e os funcionários da unidade de saúde básica foi fazer com que as equipes de saúde percebessem seus próprios preconceitos e o quanto eles podem afetar na prevenção e combate ao HIV. Os resultados da pesquisa não foram simplesmente apresentados ao público, "não se tratou apenas de uma devolutiva" explica Zambenedetti, "mas de uma discussão onde foi possível analisar os dados, avaliar as reclamações dos usuários, pensar o que poderia ser feito, e também registrar o que estava acontecendo a fim de considerar sobre que efeitos estavam sendo produzidos naquele momento". Ou seja, "conhecer para propor transformação. Pensar sobre como posso instalar um processo de transformação e, dentro desse processo intervir para seu funcionamento adequado", conclui.